Por Dra. Mariana Del Bosco*
Essa fase, que engloba os 270 dias da gestação mais os 365 dias do primeiro ano de vida e os 365 dias do segundo, tem um tremendo impacto na saúde e na estrutura emocional da criança, com desfechos que serão sentidos ao longo dos anos futuros. Daí por que é também uma janela de oportunidades em termos de cuidados com o organismo.
É no começo da vida que o corpo humano tem a sua maior plasticidade. Passamos de 1 célula para 500 trilhões. E, para se ter ideia, os bebês triplicam o peso do nascimento ainda no primeiro ano de vida. Para garantir todo esse potencial de crescimento, as demandas nutricionais das gestantes, das mães que estão amamentando e dos bebês são grandes, e a má nutrição, claro, atrapalha esse desenvolvimento.
A Academia Americana de Nutrição destaca que grávidas portadoras de doenças crônicas (como diabete e hipertensão), mulheres que apresentam ganho de peso excessivo ou insuficiente durante a gravidez, gestantes de múltiplos e portadoras de qualquer alteração no padrão alimentar estão sob risco nutricional e devem ser encaminhadas para acompanhamento com nutricionista durante o pré-natal.
Até os seis meses de vida do bebê, o aleitamento materno exclusivo supre todas as suas necessidades nutricionais. O leite materno é um alimento completo que se adapta a cada fase. Estudos demonstram que a alimentação da mãe já pode interferir na aquisição do paladar do bebê, uma vez que as nuances de sabor passam para o líquido amniótico e, depois, para o leite materno.
A partir dos seis meses, tem início a alimentação complementar. É um momento de cuidado, pois a introdução precoce de alimentos inadequados (açúcar, leite de vaca, produtos ultraprocessados…) contribui para o consumo excessivo de calorias vazias, interferindo negativamente na formação do hábito alimentar.
Nos primeiros mil dias de vida há também a oportunidade de aprimorar o desenvolvimento cognitivo. Nessa fase, o cérebro triplica de tamanho e desenvolve mais de 80% da sua capacidade. No último trimestre de gestação, o feto retira cerca de 75 gramas da gordura ômega-3 da mãe, especialmente a fração DHA, para a formação das membranas celulares do sistema nervoso central. Não à toa, a adequação no consumo de ômega-3 propicia, no bebê, a melhora da capacidade visual, da coordenação, da atenção e da habilidade para resolver problemas. Além disso, pesquisas apontam que essa gordura confere uma proteção contra o aparecimento da depressão pós-parto. O consenso da Associação Brasileira de Nutrologia sugere que a ingestão de DHA pela gestante seja de 600 miligramas por dia.
O aleitamento materno é outro fator associado ao aumento da cognição do pequeno. Em um estudo com 10 700 crianças, observou-se que, aos 2 anos de idade, aquelas amamentadas apresentaram 2 pontos a mais no quoeficiente de inteligência (QI) em relação às que não receberam leite materno.
As experiências do feto/bebê durante os primeiros mil dias também modulam a programação metabólica e a expressão genética, interferindo, de maneira irreversível, no curso da vida. É como se o bebê pudesse prever o ambiente em que vai viver através da placenta, do leite materno e das primeiras experiências e, a partir daí, conseguisse ativar ou desativar alguns interruptores para melhor se adaptar.
Os desfechos podem ser imediatos (baixo peso ao nascer, anemia…) ou tardios (doenças crônicas como diabete na idade adulta…). A desnutrição intrauterina é um exemplo dessa repercussão no material genético: um bebê que nasce em um ambiente inóspito, sem nutrientes, precisa sobreviver e , para isso, transforma-se num poupador de energia. Se, ao nascer, o ambiente continua inóspito, ele terá condições de sobreviver, procriar e desenvolver todo o ciclo da vida. Mas, se o ambiente for favorável demais, esse organismo poupador corre um risco muito maior de se tornar obeso, diabético e portador de doenças cardiovasculares. E é interessante notar que essas características podem passar pelos genes para outras gerações.
Os avanços recentes da ciência mostram que temos nos primeiros mil dias uma janela de oportunidades para otimizar todo o potencial de desenvolvimento do pequeno e para diminuir o risco de uma série de doenças para as futuras gerações. É durante esse período que a máxima “prevenir é melhor que remediar” faz mais sentido.
* Dra. Mariana Del Bosco é nutricionista, expert em alimentação e obesidade infantil e mestre em ciências pela Universidade de São Paulo.
(Fonte: saúde.abril.com.br)